"Um Brasil que os próprios brasileiros desconhecem" é a frase não muito feliz estampada no cartaz de Walachai (pronuncia-se valarrai). De fato o que a frase quer dizer pode até estar correta, mas a forma talvez não me agrade por ser um pouco taxativa. Se você não é um viajante, é claro que não vai conhecer todas as anacronias deste imenso país chamado Brasil. Você estuda, trabalha, tem sua rotina, volta para casa e está cansado. No final de semana vai até a praia ou campo mais próximo (pois tem que voltar logo) para descansar e esquecer dos problemas momentaneamente. É aí que vem o um dos objetivos das artes: recuperar culturas longínquas. Aliás, o significado de Walachai, em alemão antigo, é lugar longínquo, perdido no tempo.
O cinema como guardião de múltiplas culturas tem este valor: fazer de imagens passageiras e sons rotineiros, num determinado período de tempo, algo eterno e atemporal. Assim, Rejane Zilles, diretora e roteirista do documentário, consegue com eficácia mostrar costumes, hábitos e gestos dos moradores da pequena cidade rural fixada no Rio Grande do Sul - a setenta quilômetros de Porto Alegre - colonizada por alemães.
A motivação maior de retratar Walachai é pela sua característica única: os habitantes de lá falam um dialeto raro do alemão, quase extinto na própria Alemanha - o dialeto provém da região de Hunsrück. Poucos ali sabem português, então, na maior parte vemos o documentário nacional legendado (estranho, não?). Evocando um processo de estranhamento, aumentando a importância da experiência de estarmos em contato com aquela cultura, vamos nos aproximando - por incrível que pareça - daquele povo. Por mais que eles falem em alemão eles são, de fato, brasileiros. Quer dizer, menos na língua.
Como isso soa estranho, pelo menos para mim. A língua, linguagem, fator crucial e primeiro de identidade cultural. Jean-Pierre Warnier em seu livro A Mundialização da Cultura nos diz "assimilar uma cultura é primeiramente assimilar a sua língua". Será isso possível em Walachai? Esse processo de estranhamento, cuja Marilena Chauí tão bem exemplificou em seu livro Convite à Filosofia, é muito importante para absorvermos melhor aquilo que é mostrado e dito.
Ali, onde a tecnologia ainda não chegou, a não ser um pequeno rádio de pilha de um senhor que gosta de sintonizar na sua rádio preferida (ouvindo música típica), a diretora consegue muito bem explorar todos os campos possíveis durante os oitenta e quatro minutos de projeção. Até os pequenos gestos da senhora Bertha, de noventa e um anos de idade, que cuida do cemitério - às moscas, diga-se - e toca diariamente o sino da igreja. "Toco o sino há 56 anos, nunca faltei", diz ela.
Não por coincidência o olhar da diretora é de saudosismo e nostalgia. Rejane nasceu em Walachai, mas saiu de lá com nove anos de idade. Em off nos conta que deixou a terra junto aos pais por eles quererem buscar um futuro melhor para a família. Se Walachai está parada no tempo, a câmera de Rejane consegue captar essa lentidão do campo que se opõe a rapidez de uma capital. Mas o importante, talvez, refletindo nas entrelinhas, é perguntar-se se existe o meio termo entre lentidão e rapidez.
O longa é uma continuação do curta-metragem intitulado "O Livro de Walachai" (assista aqui), onde Rejane retoma a história de Walachai através do livro enorme todo escrito à mão pelo professor "João" Benno Wendling. Relatos, fotos, passagens homéricas estão contidas no livro. Inclusive uma que o professor conta que, na época da Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas proibiu que as pessoas falassem alemão. Aqui, Rejane consegue desenvolver mais e melhor a história do livro e de seu autor.
Bastante eficiente, a montagem consegue juntar e dar unidade nos depoimentos intercalados. Cada personagem contando à sua maneira sua própria vida e suas experiências. Tendo seu próprio time de futebol, Walachai possui uma cultura que ainda tem que ser explorada, apesar deste filme conseguir uma amplitude tal dos temas, com profundidade, em tão pouco tempo. "Meu lugar é aqui", diz um pintor de telas muito curioso que faz de sua arte o mesmo que Rejane fez com este singelo documentário.
Ficha técnica
Direção: Rejane Zilles
Roteiro: Rejane Zilles
Produção: Rejane Zilles
Distribuidora: Ciclorama Filmes
Trailer
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