sábado, 29 de março de 2014

Alguns comentários #3

O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são.                                                                                                                                                                                                                                                                     Protágoras de Abdera (490-421a.C.)


Como pensar hoje a estética? E a política? A tendência me parece é sempre pensar as duas palavras separadas, tentando relacionar estética somente às práticas artísticas, como música e literatura, e a política somente às eleições partidárias e debates ideológicos, como direita versus esquerda. De certo para um debate mais atual sobre essas duas concepções se faz necessário evocar o filósofo Jacques Rancière após sua formulação de partilha do sensível.

Francês ainda vivo e professor emérito da Université de Paris VIII (Saint-Denis), Rancière vem contribuindo de maneira significativa para o debate em torno da estética, principalmente para o cinema. E é por isso que eu o trago aqui para o blog. Tendo algumas de suas obras publicadas aqui no Brasil pela Editora 34, Contraponto e Martins Fontes, o filósofo veio ao Brasil recentemente (num seminário em sua homenagem realizado na UFRJ em 2012) e já teve textos publicados pelo jornal Folha de São Paulo.

Rancière lida com a partilha do sensível em mais de uma obra, mas é certamente com a publicação de Le partage du sensible, em 2000, que se solidifica definitivamente esse seu conceito: “Denomino partilha do sensível o sistema de evidências sensíveis que revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas. Uma partilha do sensível fixa portanto, ao mesmo tempo, um comum partilhado e partes exclusivas. Essa repartição das partes e dos lugares se funda numa partilha dos espaços, tempos e atividades que determina propriamente a maneira como um comum se presta à participação e como uns e outros tomam parte nessa partilha.”

Fazendo analogia com a estética transcendental de Kant, em que percebemos a priori o espaço e o tempo, ou seja, o espaço e o tempo são formas puras da intuição sensível, são condições necessárias de possibilidade dos fenômenos, Rancière postula a ideia de que já estamos na partilha do sensível quando nos damos conta de nós. E é por isso que a política e a estética terão que ser ressignificadas.

Relendo Platão, Rancière falará que a partilha do sensível “faz ver quem pode tomar parte no comum em função daquilo que faz, do tempo e do espaço em que essa atividade se exerce”, assim, nesse sentido, a política e a estética aparecerão juntas, simultaneamente. E a definição de uma também caberá à outra, a saber, “A política[/estética] ocupa-se do que se vê e do que se pode dizer sobre o que é visto, de quem tem competência para ver e qualidade para dizer, das propriedades do espaço e dos possíveis do tempo.”

Portanto, ao fazer isso, Ranciére abre um novo campo para pensar as práticas artísticas – a partir dessa definição primeira de estética – e, em especial, o cinema. Aliás, posso falar sobre isso num futuro bem próximo, mas a intenção neste momento é só para deixar claro quanto ao que eu disse no post anterior sobre cinema político ou adentrar na discussão sobre o que é político no cinema. Pois pode parecer óbvio para outrem quando se diz que tal filme é político porque retrata uma corrida eleitoral-presidencial, por exemplo, mas para mim não é, por eu compartilhar totalmente com essa ideia que acabei de expor. Para mim, a política tem um significado muito mais amplo, mais geral, do que este do senso comum.

Bibliografia:
Rancière, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Tradução de Mônica Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2009 (2ª edição), páginas 15-17.

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