Fui influenciado por um velho provérbio chinês atribuído a Confúcio: "Olhar e não intervir", "Observar e não julgar". O importante não é intervir sobre as coisas, modificá-las ou criticá-las. Cada coisa, cada pessoa é diferente. Cada pessoa tem seu próprio meio, seu próprio ambiente. Então, julgar é vão e inútil. O que eu quero é estar no meio, e simplesmente ver o que acontece no interior de cada ambiente, sem procurar criar julgamentos. Eu sei que não passo de uma subjetividade, mas posso apesar de tudo tentar me situar no meio das coisas sem imprimir a marca de minha subjetivdade sobre a dos outros. Até agora, foi sempre nesse snetido que trabalhei. (Frodon, 1999, pp. 68-69, in: Cinema Mundial Contemporâneo, Papirus, 2008). Hou Hsiao-Hsien
Quando eu disse que ficaria um tempo sem publicar aqui e no Espectador Voraz eu estava querendo dizer enquanto texto de crítica de cinema. Certamente utilizarei este meio para algumas rápidas reflexões, como o post anterior, e pequenos comentários sobre cinema em geral e sobre filmes que tenho assistido.
Até este momento de 2014 vi apenas três filmes: O Lobo de Wall Street, A Viagem do Balão Vermelho e Ninfomaníaca - Volume I. O primeiro, do Martin Scorsese, eu vi no cinema. Foi estranha a experiência. Não tinha me informado sobre o filme, não sabia nada mesmo, e tomei um baita susto. Minha reação involuntária foi de indiferença. Adoro o cineasta e é claro que vi coisas muito bem executadas e certa ideologia em volta de toda histeria, mas não sei. Esse é um dos que eu preciso rever logo para ter uma opinião mais sólida e definir se gostei de fato. Talvez eu ainda esteja sob efeito do encanto de Hugo Cabret que ainda está muito fresco em minha memória. O Lobo é muito distante da discussão que Scorsese abordou com Hugo. Não só seu discurso, mas o tom, o tratamento, o sentimento, esse tudo que está por trás da homenagem a George Méliès, me fascina. Aliás, outro que preciso rever rapidamente.
A Viagem do Balão Vermelho, do taiwanês Hou Hsiao-Hsien, eu vi em casa em DVD e foi uma revisão. Hou é um desses cineastas hipnotizantes e neste A Viagem, seu último longa feito até agora (parece que ele está, finalmente, filmando outro este ano), não faz diferente: é uma dessas jóias raras que o cinema produz de tempos em tempos - como Tabu, de Miguel Gomes, do ano passado. Hou é um dos principais representantes do cinema novo (nouvelle vague) taiwanês que carrega nomes como Edward Yang (As Coisas Simples da Vida) e Tsai Ming-Liang (Vive L'Amour).
Com A Viagem do Balão Vermelho, Hou homenageia os cinquenta anos de O Balão Vermelho, curta-metragem de Albert Lamorisse. Só que, como salienta bem Marcelo Hessel em sua ótima crítica, não precisamos ter visto o curta antes para entendermos o longa (e é difícil falar sobre o que é). Sinopse desse filme? Não faça. Aliás, o texto que vem atrás da capa do DVD é terrível. Prefiro a fala do Merten: "Eu diria que é sobre nada, o que é a outra forma de dizer que é sobre tudo" - não poderia ter colocado de forma melhor. Porque A Viagem desmorona sob qualquer narrativa já feita. É complicado classificá-lo, defini-lo. De fato, não devemos nos prender a conceitos, padrões, definições. O melhor, diante de um filme desse, é contemplar. Afinal, como disse Luiz Carlos Olivera Jr. "O encanto de A Viagem do Balão Vermelho é de difícil definição, pois está diretamente relacionado à experiência de assistir ao filme."
Tô tomando algumas linhas a mais que o previsto, mas é difícil conseguir parar de falar sobre essa belezura de filme - essencial para quem quer estudar a mise en scène. Aliás, o mesmo Luiz Carlos Oliveira Jr. citado acima fez um estudo, no mínimo magnífico, sobre a questão da mise en scène no cinema em seu doutorado (indico fortemente), orientado por ninguém menos que Ismail Xavier. Entretanto parece que em A Viagem Hou alcança um auge narrativo da mais pureza e sincronia com sua mise en scène, algo que não consigo explicar direito, mas que explode minha cabeça. A sensação que eu tenho é que os personagens sempre estão "dançando" na tela, causando hipnose total (citando novamente o Hessel). Juro que estou estudando e um dia vou conseguir falar sobre esse filme à altura que ele merece. Mas fica a dica, vale deveras a pena a experiência.
Bom, Ninfomaníaca - Volume I foi uma surpresa. Revelo que fui com receio para a sessão. A decisão totalmente arbitrária e sem escrúpulos dos produtores de cortar uma hora do filme e ainda o dividir em duas partes me deixou super incomodado. É sabido que Lars von Trier concebeu o filme como sendo algo único, contínuo, para se ver em "uma sentada" (as cinco horas). Mas claro que em tempos como estes fazer essa jogada de marketing era essencial. Aliás, mais uma né? As polêmicas em torno do filme ser "pornográfico" fizeram uma positiva jogada de marketing. Mas enfim, discutir se o filme é pornográfico ou não, erótico ou não, eu deixo para depois.
Destarte, os 118 minutos que concebeu a primeira parte, a qual abrange cinco dos oito capítulos no qual o filme foi estruturado, são interessantes. Não lembro exatamente das palavras, mas acho que foi para Revista Época que Lars deu uma entrevista enquanto divulgava seu filme anterior, Melancolia, e disse que o filme seria "meio pornográfico e meio filosófico". A questão do pornográfico, como disse, deixo para depois, logo que a análise sobre o sexo que o filme faz mostrou-se incompleta (óbvio), mas a questão do filosófico é um ponto interessante que eu queria discutir. Nesta primeira parte vemos algo que Maurice Merleau-Ponty, filósofo francês contemporâneo, nos disse em uma de suas obras: "é preciso reaprender a ver o mundo".
Lars em Ninfomaníaca - Volume I, de maneira bem linear e esclarecedora, faz tal exercício filosófico: não parece fazer outra coisa senão nos forçar a reaprender a ver as coisas (essas que compõem o mundo), através de sua protagonista, Joe, interpretada pela ótima Charlotte Gainsbourg. Joe rebate concepções de mundo que Seligman (Stellan Skarsgård) apresenta em suas conversas: sobre o cortar as unhas, garfo de bolo, a óbvia reação que a personagem ninfomaníaca deveria ter tido, mas não teve, etc. Todas essas rebatidas fazem com que o personagem de Stellan diga "ah, é verdade". Não só isso. Ela combate conceitos que permanecem durante anos na sociedade (alguns enraizados pela cultura judaico-cristã), através da análise de seu passado, e tenta buscar dizer o que de fato é cada coisa. Esse é um dos pontos centrais do filme, e é claro que a narrativa é muito mais complexa que isso e mostra esse estudo de comportamento de maneira mais sólida e fluida. Farei uma análise mais completa sobre o conjunto da obra num futuro próximo.
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