Vou ter que que concordar com Luiz Carlos Merten quando ele diz "Não se iluda com o formato de comédia romântica de A Sorte em Suas Mãos. É só fachada. O filme, na realidade, é sobre outra coisa". De fato, Merten foi muito feliz nessa frase. Não se iluda, espectador, pois Daniel Burman (Dois Irmãos, As Leis da Família) camufla, em seu roteiro - aparentemente banal -, todas as suas habilidades adquiridas em mais de quinze anos de experiência cinematográfica. Burman em A Sorte em Suas Mãos vai flertar com a comédia romântica para nos lembrar que somos moldados por imposições sociais e todo um sistema que, minimamente, nos controla.
Jorge Drexler - que ganhou o Oscar de melhor canção original pelo filme Diários de Motocicleta (2004), de Walter Salles, por Al Otro Lado Del Río (primeira música em espanhol a ganhar o prêmio da Academia) - estreia como ator neste filme e não poderia ter sido melhor. A musicalidade de sua voz (algo bem bressoniano) dá vibração e força para Uriel, protagonista que, por mais estranho possa parecer - conhecido também como "rei dos motéis" sente algum tipo de prazer ao ouvir embalagens de plástico serem abertas -, é mais igual a nós do que qualquer outra coisa.
Fato é que Uriel está incomodado. Algumas experiências de sua vida não deram certo e ele quer consertar algo. Divorciado, dá-se a entender que devido ao casamento mal sucedido virou mulherengo e não quer mais ter filhos e casar novamente. Aliás, casar e ter filhos, forte moldura social que se impõe a nós de maneira automática quando adentramos a vida adulta hoje, é o que dá origem a tal da família que, em entrevista, Burman vai dizer "Não conheço outro tema que não seja a família". Para o diretor, é a partir da família que absolutamente tudo se constrói. E há boatos que seus filmes anteriores como O Abraço Partido (2004) e Ninho Vazio (2008), onde ele vai fundo nisso, sejam tão profundos e brilhantes.
Depois de conversar com seu médico, Dr. Weiss (Luis Brandoni), Uriel vai até cidade vizinha fazer uma operação de vasectomia, como também para participar de um torneio de pôquer (seu, aparentemente, hobby). Mas por acaso reencontra uma de suas ex-namoradas do passado, Gloria (Valeria Bertuccelli), que veio para complicar (ou não) mais ainda sua vida. Uriel mais experiente se reapaixona pela Gloria mais madura, e nisso renasce uma paixão.
"Às vezes a gente mente para ser amado", diz Uriel a certa altura, demonstrando certa angústia e medo da realidade. É como se no real nada fosse atraente o suficiente para se querer viver nele. Seu envolvimento com o pôquer é, de certo modo, como válvula de escape da vida. Há todo um psicologismo e simbologismo no filme sobre ficar preso (no dinheiro, nas relações sociais, etc), mas, no final, é você que decide qual lado da moeda quer que caia.
Com coprodução brasileira da Gullane, A Sorte em Suas Mãos é só o começo de vários projetos de Burman unindo Argentina e Brasil (recentemente fechou um contrato para três longas com a produtora carioca Total Filmes). E tomara que seus próximos projetos continue neste nível porque de comédia brasileira, me refiro a essas todas iguais e sem graça alguma que andam dominando as bilheterias, já estamos de saco cheio.
Ficha técnica
Direção: Daniel Burman
Roteiro: Daniel Burman e Sergio Dubcovsky
Elenco: Jorge Drexler, Valeria Bertuccelli, Norma Aleandro e Luis Brandoni
Produção: Daniel Burman e Diego Dubcovsky
Distribuição: Imovision
Trailer
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