terça-feira, 2 de julho de 2013

Cobertura Sessão Vitrine 2013: As Hiper Mulheres (2012)


Entrar no âmbito da discussão sobre a diferença entre documentário e ficção pode dar pano para muita manga. É difícil analisar, de fato, o que é o documentário a partir do momento - aqui relembro de uma fala da montadora Cristina Amaral (Alma Corsária, Serras da Desordem) - em que o diretor posiciona sua câmera à sua maneira. Ali ele fez uma escolha. Ali há um olhar próprio exclui quando inclui. Por isso não saberia como chamar As Hiper Mulheres, de ficção ou documentário, porque acho que este filme cabe muito nessa discussão. Na medida em que os três diretores vão mostrando as situações, onde há uma escolha em qual mostrar, algo fica para fora. Há uma subjetividade por trás.

Estamos no Alto do Xingu (Mato Grosso) e os realizadores Carlos Fausto, Leonardo Sette e Takumã Kuikuro captam a preparação para - e a - "festa das mulheres", típica da tribo indígena retratada. Não sabe-se do lugar geográfico só pelo filme. Parece que a escolha dos diretores está focada em somente mostrar uma tradição, sem ficar dando títulos ou rotulações às pessoas e aos espaços. Aqui os índios falam por si mesmos, tem voz ativa (acompanhamos via legenda) e transparecem desinibidos com a presença da câmera - a qual os seguem sempre de perto.

O começo é desafiador, no melhor sentido da palavra, pois nós fixados nas grandes capitais urbanas e materialistas estamos distante daquela cultura: ficamos quase o primeiro ato inteiro acompanhando a preocupação com a (possível) doença da índia Kanu. É intrigante acompanhar a movimentação dos índios, todos tentando entender o que está acontecendo (numa preocupação extrema) com ela, mesmo sem sabermos o porquê. Mas logo em seguida revela-se sua grande importância: é a única mulher que sabe todas as canções para a tal festa. Aliás, pode parecer obviedade mas, na festa das mulheres os homens não podem cantar.

Barreiras são quebradas durante a projeção. E rapidamente percebemos que a canção/música torna-se protagonista do longa (os cantos estão até em nós de uma corda). Posso estar exagerando, mas em certa parte o canto torna-se medida para todas as coisas: é ele que rege a vida e a morte (a mulher mais de idade quando esquece parte duma canção já prevê a morte chegando), bem como a obrigatoriedade de se saber os cantos (perceba a atenção com que a menina-criança vê a adulta experiente cantando) para ser reconhecido naquele meio.

Recorro, assim como na crítica de Walachai, ao livro A Mundialização da Cultura, do professor Jean-Pierre Warnier, para entendermos o conceito de tradição - "o que persiste de um passado no presente em que ela é transmitida; presente em que ela continua agindo e sendo aceita pelos que a recebem e que, por sua vez, continuarão a transmiti-la ao longo das gerações" -, com a finalidade de problematizar nossa situação no mundo contemporâneo, onde tudo é absorvido muito rápido, num fluxo constante, sem qualquer tipo de contato mais profundo com os bens culturais. Fica o questionamento: é possível haver tradição num sistema capitalista, onde o que reina é a cultura industrial (ou indústria cultural)?

Adendo: Nesta seleção de filmes da Sessão Vitrine passam-se curtas antes de alguns filmes. Na sessão de As Hiper Mulheres encontramos Ovos de Dinossauro na Sala de Estar (pode ser assistido aqui), roteirizado e dirigido por Rafael Urban, que conta sobre Ragnhild Borgomanero, uma senhora alemã de 77 anos que, viúva de Guido Borgomanero - também alemão -, reaviva parte da história de seu marido. Falecido em 2005, Guido era cônsul geral da Itália no Paraná e tinha paixão por investigar materiais fósseis - essa paixão o fez obter a maior coleção particular de fósseis da América Latina. O curta, infelizmente, peca bastante em questão de roteiro e montagem. Poderia ter sido melhor desenvolvido no que se refere à dinâmica entre as falas e a construção das cenas.

Trailer

2 comentários:

  1. Olha, documentários são sempre tão difíceis de se escrever críticas, e a sua ficou sublime! Fiquei com vontade de assistir, apesar de que só de ler a crítica me deu uma certa melancolia, por uma "inocência cultural" que perdemos...

    Beijos!
    Juliana P. @ FalaCultura

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  2. Obrigado pelo comentário Juliana.

    Mas não se incomode, acho que essa "inocência cultural" não perdemos. O cinema está aí para ganharmos.

    Abraços

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